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sábado, 6 de novembro de 2010

Um conto



Era uma vez um menino. Sujo, despido e menino.
Trazia na pouca roupa pedras nos bolsos. Pedras recolhidas ao longo do caminho entre a casa e o lago.
No lago existia um cais. Sujo, perdido e cais.
Nas madeiras faltava a tinta mas era um caminho até quase meio do rio e o menino sentia-se convidado a, até à beira ir.
Passavam nuvens por cima dele e sentado, com os pés frios mergulhados na água, olhava, em silêncio.
O irmão do menino lavrava a terra com o pai. A mãe sovava o tapete da sala, no varal, na rua.
Era tarde no dia e o jantar chegou até à mesa sem o menino. O irmão do menino lavava as mãos, o pai mudava a camisa e o menino continuava sentado na beira do cais a pensar no destino das pedras pesadas nos bolsos.
Tirou uma pedra. Jogou-a no lago. Tirou mais duas e jogo-as mais longe. Levantou-se e voltou no caminho pra casa. A meio do cansaço parou. Voltou a correr até ao cais e jogou-se com as pedras no lago, mas perto da beira.
Não nadou, afundou-se.
Na mesa o relógio lembrava a famíla da ausência do menino. O pai zangou-se. Levantou-se, a mãe preocupou-se.
O irmão correu para a rua e gritou o nome do irmão, em vão. Voltou a gritar e para dentro da casa sossegou a mãe que iria até ao lago.
Na beira do lago, ofegante, parou para tranquilizar o peito. Conheceu nas águas o corpo do irmão, recolheu-o em braços para a terra. Em lágrimas fez com ele nos braços o caminho de regresso a casa. À casa.
Entre lágrimas o pai, a mãe e alguns dos poucos vizinhos, depositaram-no debaixo da terra, à sombra da tarde do dia seguinte, com o fato de domingo e o pálido sorrido do dia de todos os santos.
Ninguém foi alguém durante muito tempo. Durante todo o tempo em que a resposta à pergunta do "porquê" permaneceu entre eles.

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