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domingo, 10 de outubro de 2010

Rotinas I - Irreverências




Acordo bem cedinho. Pulei da cama e corri pelo corredor. Sim, tinha pressa. Pressa de me apressar.
Abri a água. Abri espaço para o meu namoro matinal. Depressa o vapor tomou conta do espaço. Vislumbrei no espelho embaciado os meus contornos, o cabelo despenteado, o gesto que despede a roupa.
Um pé após outro. Gosto sempre deste arrepio causado pela água quente. Ensabôo todos os cantos e recantos. Atrás do joelho. Entre a cova das clavículas. Tento chegar às omoplatas. Estão sempre tão fora de mão. Que chatas!
Esfrego a noite. E a véspera. Lavo. E este sabonete que não acaba.Deixo-me escorregar para o lago que se formou de espuma e sais. Sais de frutas e cristais. Mergulho. Hoje sou sereia. Já que ontem fui golfinho.
Ouço o som do meu corpo que dança no banho. Venho à tona. Trago na ponta do nariz restos de espuma. Sopro-a. Voam bolinhas de sabão que vão parar-me à mão.
Toca a mexer. Toca a acabar o banho. Corro pelo corredor de roupão na mão. Calço. Visto. Bebo. Penteio.
Já está. Autocarro. Lugar apertado. Faculdade. Professor chato. Almoço. Colegas tagarelas. Biblioteca. Aulas de condução. Namorado que não pára de fazer cenas de ciúmes. Cinema. Compras.Um cd novo. Tosta de fiambre. Sopa de galinha. Autocarro. Lugar sentado. Casa.
Corro pelo corredor. Abri a água. Abri espaço para o meu namoro nocturno. Depressa o vapor tomou conta do espaço.
Vislumbrei no espelho embaciado os meus contornos, o cabelo escovado, o gesto que despede a roupa.

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