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domingo, 10 de outubro de 2010

Rotinas III- às vezes


À primeira luz da manhã, ela chama-me. Sussurra-me com a voz morna do sono, artimanhas de menina bandida e pede-me que a visite, porque sente saudades. E eu vou. Desejoso do conforto que encontro quando a enlaço, beijo e bebo. Também eu, sinto essas saudades.
Tem sido assim, desde sempre.
Não há palavras escritas, ou por inventar, nem sons por articular, que falem com justiça, do calor que se pode sentir dentro do peito, quando a porta de casa dela se abre, para me dar passagem.
Encontro uns pezinhos descalços, que se erguem em pontas para me beijar, na face.
Sou brindado por um sorriso aberto em forma de flor.
Sigo-a.
O aroma que se espalha pela casa, denuncia que me espera um café, que recebo em troca de um beijo.
Atravessamos a sala, com cuidado para não pisar as muitas velas, que ontem nos iluminaram o serão, enquanto estivemos deitados na manta de lã, rindo e brincando, como crianças, falando de trivialidades.
No quarto, na cama, no edredão de sumaúma ainda quente pelo corpo dela, reconheço o meu e o seu cheiro. Volto a apertá-la entre o meu abraço e divirto-me vendo-a roubar-me as calças e a camisa que enfia e finge que é quem não é. A gargalhada dela enche o ar. E eu entrego-me sempre completamente, a esta feiticeira.
Tem sido assim, desde sempre.
Vivemos em sintonia. O resto, é tempo que passa.

(Menção Honrosa, Concurso Semana dos namorados, Museu Nacional da Imprensa, 2002)

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